Greice ironiza Portugal a partir da ótica brasileira, e abraça a cultura e o sotaque cearense através de uma personagem única.
Desde os primeiros minutos, Leonardo Mouramateus estabelece que a imprevisibilidade é o maior atributo de Greice, tanto da narrativa quanto da própria personagem que a nomeia. Todo o mistério calmamente construído por toda a cena inicial, que junta pedaços e se desenvolve à medida que o filme avança, brinca com a desconfiança do público em relação ao que é falado, pois Greice é uma mentirosa compulsiva.
Estudante de artes na universidade de Lisboa, nossa protagonista é bem-apessoada, muito inteligente e simpática, mas mente constantemente e manipula quem está a sua volta para conseguir o que deseja. Mas diferente do charme jogado pela personagem de Juliane Moore em Segredos de um Escândalo (que compartilha de uma descrição parecida), Greice não é mal-intencionada – pelo contrário, tem um bom coração e sabe muito bem diferenciar o que é certo do errado quando necessário.
No entanto, essa característica a torna pouco confiável aos olhos do espectador. A direção de Mouramateus muito sabiamente usa tal elemento para brincar conosco, na medida em que a mentira e a desconfiança se tornam parte da linguagem do filme, ao resultarem na causa – e também na solução – para a maioria das problemáticas que surgem no caminho de Greice, construindo assim uma enorme teia de mentiras (ou meias-verdades), interligadas de tal forma que um único passo em falso pode ser fatal – o que passa a ficar evidente conforme o longa caminha para o fim, quando as coisas começam a chocar-se umas com as outras.
E o diretor, por outro lado, apesar de acompanhar a protagonista, nem sempre nos põe a par do que é verdade e do que não é. Essa posição estratégica serve, para além de facilitar as constantes surpresas e reviravoltas, também para nos aproximar ainda mais da narrativa, de forma a imergir o espectador no mundo de Greice, da mesma forma que nos oferece a possibilidade de imaginarmos o que houve em relação ao mistério central, conforme da personagem vamos conhecendo mais.
Nesse desenvolvimento da trama central, o próprio idioma acaba ocupando um local de destaque, a partir do momento que o roteiro usa da distinção entre o português europeu e brasileiro, e suas respectivas expressões próprias, para uma reviravolta na primeira metade do longa. Há uma valorização criativa do sotaque cearense, e de seu regionalismo, que se manifesta através da personalidade caótica de Greice e seu mundo, e também em suas amizades e demais personagens ao seu redor – incluindo Enrique, o qual assume cada vez mais destaque.
Muito do brilhantismo e naturalidade com a qual Greice se desenrola em seu microcosmo parte da dedicação e carisma de Amandyra à protagonista, em uma interpretação que dá rosto e voz de maneira ímpar a uma personagem complexa, com quem mostra lidar muito bem e confortavelmente, sobretudo na forma como consegue esconder ou contornar, em certas oportunidades, as intenções da personagem, através das mentiras. Da mesma forma, o carismático Dipas transforma sua participação com mais destaque ao representar o oposto da personagem principal, ainda que só entre na narrativa em sua segunda parte.
Assim, Greice torna-se uma experiência única, que através de um humor puramente brasileiro, de corpo e alma cearense, ironiza os portugueses e mostra orgulho de seu país, com uma cultura vasta e idioma refinado, aproveitado na relação Brasil-Portugal para brincar com as expressões idiomáticas e nos reservar boas surpresas.
Avaliação: 4.5/5
Greice (Idem, 2024)
Direção: Leonardo Mouramateus
Roteiro: Leonardo Mouramateus
Gênero: Comédia, Drama
Origem: Brasil, Portugal
Duração: 110 minutos (1h50)
13º Festival Olhar de Cinema (Competitiva Brasileira).
Sinopse: Greice é uma jovem mulher brasileira estudando e trabalhando em Lisboa. Num dia de trabalho, ela conhece Alfonso, e essa relação vai ser o estopim para uma série de acontecimentos que a levam de volta a seu Ceará natal. (Fonte: Olhar de Cinema - Adaptado)
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