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Foto do escritorHenrique Debski

13º OLHAR DE CINEMA | Caminhos Cruzados, de Levan Akin (Crossing, 2024)

Os Caminhos Cruzados de Levan Akin nos fazem refletir sobre nossas escolhas para com os outros.



O cinema recente do sueco Levan Akin funciona como um grande reflexo de sua percepção acerca da Georgia, ex-integrante da União Soviética, e de onde descende sua família. Hoje livre e independente, a imagem feita pelo cineasta, desde E Então Nós Dançamos, revela um país exageradamente conservador, habitado por um povo autoritário e, sobretudo, homofóbico. E se em seu filme anterior o diretor fez seu retrato a partir do olhar de um casal homoafetivo, agora a visão se faz de fora, com foco na população trans.

 

Enquanto a Geórgia representa um local ruim para a morada de pessoas diferentes daquilo que o povo local aceita e considera “normal”, Caminhos Cruzados revela toda um movimento de migração para a Turquia, um país igualmente conservador, mas cuja capital, Istambul, se mostra uma terra de ninguém, onde as pessoas vão quando desejam desaparecer. E a partir desse desaparecimento que se inicia a jornada de busca da protagonista Lia por sua sobrinha Tekla, que, acompanhada do jovem Achi, irmão de um vizinho abusivo, e que não vê perspectivas de vida em seu país natal, embarcam em uma procura pelo submundo turco de uma comunidade rejeitada.

 

Essa travessia realizada por Lia, referenciada no título original (Crossing), vai muito além do âmbito geográfico, pois também reflete sua mudança de mentalidade. Antes conservadora e incapaz de aceitar a pessoa de sua sobrinha, os anos de afastamento fez crescer a preocupação, transformando esse sentimento de saudade em arrependimento, agora na procura por redenção.

 

A escolha de Akin por desenvolver a narrativa com dois personagens de diferentes idades e momentos de vida diversos em seu centro não apenas facilita o desenvolvimento da busca central por meio dos diálogos, mas também oferece visões de mundo distintas em relação aos mesmos lugares, sob os olhares de duas gerações relativamente distantes, nascidos em um mesmo país e agora em território estrangeiro, quase que pela primeira vez. A relação que se cria entre ambos é do mais puro afeto e amor familiar, que transcende das relações sanguíneas quando se tem duas pessoas solitárias no mundo compartilhando, juntos, da própria solidão.

 

Ao mesmo tempo que Akin retrata uma busca pessoal de sua protagonista por sua sobrinha, que representa muito mais do que o reestabelecimento de laços familiares, mas uma completa mudança de mentalidade rumo a aceitação das pessoas por quem são, o longa ajuda a personagem ao se adentrar em uma comunidade unida e marginalizada de transsexuais em Istambul, maltratados pelas autoridades governamentais e vivendo a margem de uma sociedade preconceituosa, onde juntos encontram acolhimento uns nos outros. É onde surge a personagem de Evrim, uma advogada frequentemente desrespeitada, que luta pelos direitos das pessoas trans, e serve de guia para apresentar seu mundo aos protagonistas.

 

A partir desse auxilio, os caminhos de todos se cruzam constantemente (justificando muito bem o título nacional), e apesar de juntos fisicamente, lidam individualmente com os próprios sofrimentos de suas vidas, em busca de um futuro melhor. São nesses momentos em que a câmera do diretor capta as reações mais genuínas de seu elenco, tanto enquanto descontraem das tensões naturais que sentem tentando aproveitar os prazeres mundanos da vida, quanto na medida em que se preocupam com o amanhã. Nessa dualidade sentimental, os trabalhos da dupla Mzia Arabuli e Lucas Kankava encontram suas maiores virtudes a partir da naturalidade.

 

Então, em seu desfecho, Akin não poupa o espectador das angústias de sua protagonista, encontrando uma maneira de surpreender e adentrar, de uma vez por todas, na mente e nos arrependimentos de Lia para com Tekla. Essa maneira diferenciada de finalizar a narrativa, apesar de a priori causar certo estranhamento, completa o ciclo da reflexão proposta pelo diretor com uma única resposta a perguntas em aberto através de um grande “soco no estômago”, que na tentativa de evitar palavras vazias sintetiza suas ideias a partir do sentimento, o entregando, com voracidade, diretamente ao público em uma bandeja de agradável desconforto.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Caminhos Cruzados (Crossing, 2024)

Direção: Levan Akin

Roteiro: Levan Akin

Gênero: Drama

Origem: Suécia, Dinamarca, França

Duração: 105 minutos (1h45)

Assistido no 13º Festival Olhar de Cinema (Competitiva Internacional).

 

Sinopse: Lia precisa cumprir uma promessa: encontrar Tekla, sua sobrinha há muito perdida. Com a ajuda de seu jovem vizinho Achi, a professora aposentada parte de sua terra na Geórgia rumo à Istambul. Lá, os dois descobrirão que precisarão da ajuda de Evrim, advogada dedicada à luta por direitos de pessoas trans, para encontrar Tekla em meio às ruas da cidade.

(Fonte: Olhar de Cinema - Adaptado)

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