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Foto do escritorHenrique Debski

13º OLHAR DE CINEMA | Caixa de Areia, de Lucas Azémar e Charlotte Cherici (Bac a Sable, 2024)

Na imensidão da Caixa de Areia que é o ambiente do GTA RP, Charlotte Cherici e Lucas Azémar documentam as vidas virtuais de pessoas reais.



Antes de um eficiente documentário existencialista, Caixa de Areia é uma grande prova do potencial de exploração dos videogames sob uma ótica cinematográfica. Na intenção de buscar documentar a comunidade de um servidor online de GTA RP (uma modificação do jogo que permite um modo “role play”, ou “vida real”), a dupla de diretores Charlotte Cherici e Lucas Azémar opta por falar sobre o jogo a partir de seu próprio ambiente, e em sua própria linguagem, ainda que adotem uma estética tradicional de documentário a base de entrevistas.

 

Mas ainda assim não são quaisquer entrevistas. Da mesma forma que os personagens dos jogadores vivem suas vidas, trabalham, comem, bebem e se divertem, conforme a proposta do próprio “role play”, os cineastas também se colocam em frente à câmera como personagens, que representam a si mesmos, e conversam com aqueles que jogam, falando na pele de seus personagens.

 

Descrevendo assim, pode soar como uma grande bobagem a conversa com médicos, policiais, atendentes de loja de conveniência de posto de gasolina de faz de conta no GTA, que não estão ali ou trabalham com aquilo de verdade, mas para onde se caminha, no fundo, é em direção ao limiar da ficção com a realidade, na medida em que, a certo tempo, ambas começam a se confundir.

 

A existência do servidor não se mostra apenas uma maneira de extravasar as emoções ou sair da realidade do dia-a-dia, mas também uma possibilidade de adentrar a uma comunidade, conhecer novas pessoas e quem sabe até relacionamentos que podem transbordar às telas.

 

Dessa maneira, a todo tempo a câmera de Cherici e Azémar busca acompanhar diferentes tipos de pessoas, das mais variadas que participam do servidor, com diversas intenções, e eventualmente quebram a própria realidade do GTA quando observa de perto o trabalho de um administrador (“admins”), com seu poder de polícia real sobre aquele ambiente virtual, detentor da lei e da ordem, e responsável por garantir o respeito mutuo de todos – incluindo a ótima passagem do jogador racista, que prefere fugir do diálogo e sair do servidor a mudar de atitude.

 

O dilúvio, na reta final, rompe com a total e completa face da realidade, antes já quebrada pontualmente com os tradicionais “bugs” do jogo, que sempre reforçam a fantasia daquele mundo, e representa uma possibilidade de recomeço que nem sempre existe no mundo real. É uma chance de voltar atrás com as escolhas feitas e começar uma nova vida, com outros caminhos a serem traçados, com novas pessoas ou talvez, quem sabe, a insistência de seguir para o mesmo destino de antes – vai de pessoa para pessoa.

 

O mais impressionante é que, mesmo falando nas vozes de seus personagens, as pessoas entrevistadas revelam muito sobre si, talvez sem nem se dar conta. E o resultado, então, de Caixa de Areia, é a revelação de uma profundidade atingida pelo GTA RP que vai muito além de um simples jogo online, mas no qual pessoas interagem como sendo quem gostariam de ser, e experimentando personalidades diferentes de si mesmas, enquanto usam daquele espaço como um escapismo à monotonia do dia-a-dia.

 

Avaliação: 4/5

 

Caixa de Areia (Bac a Sable, 2024)

Direção: Lucas Azémar e Charlotte Cherici

Roteiro: Lucas Azémar e Charlotte Cherici

Gênero: Documentário

Origem: França

Duração: 59 minutos (0h59)

13º Festival Olhar de Cinema (Novos Olhares).

 

Sinopse: A dupla de cineastas envereda pelo universo dos machinimas, mergulhando no cotidiano da comunidade francesa de um servidor online do jogo GTA V. Transitando entre culturas e paisagens virtuais, o filme investiga os sujeitos imersos nesse mundo, cuja regra central é nunca sair do personagem, abordando temas como identidade, trabalho, religião e amor. No circuito fechado dessa autoficção coletiva que se transmuta em documentário de viés etnográfico, o filme explora a tênue fronteira entre realidade e simulacro, criando um mosaico visual atravessado por diversas questões sociais e políticas contemporâneas. (Fonte: Olhar de Cinema)

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