Inadelso Cossa deseja falar sobre a guerra civil de Moçambique de perto, mas não sabe contornar as dificuldades em documentar o que não quer ser lembrado.
O ritmo lento e silencioso de As Noites Ainda Cheiram a Pólvora são fruto da busca do cineasta moçambicano Inadelso Cossa por um documentário a respeito da memória da Guerra Civil de Moçambique sob a ótica do próprio povo, cujas histórias e depoimentos costumam ficar esquecidas em meio aos livros de história, que registram apenas fatos e nunca se lembram das pessoas que vivem e sofrem em meio a um conflito que muitas vezes não lhe diz respeito.
Mais do que apenas busca pela voz daqueles que sentiram a guerra no próprio dia-a-dia, o diretor encara o presente como um projeto pessoal, ao filmar e documentar a própria vila onde mora sua avó, no interior de Moçambique, que carregou seu pai, quando criança, para longe dos bombardeios na região e se esconderam dos rebeldes e das forças do governo.
A emoção de Cossa é notável durante as conversas com sua avó acerca do passado, e também com as pessoas que ainda residem na aldeia, de tal forma que procura estabelecer uma relação entre passado, presente e futuro, filmando os trabalhos, a vida diária e conversando. Assim, enquanto coleta histórias, filosofias de vida e opiniões, também fala sobre si e sua relação com a História, a partir de passagens poéticas onde se coloca em frente a câmera para registrar os próprios sentimentos.
Acontece, no entanto, que o diretor tem muitas ambições para seu projeto, e talvez deixou-se levar tanto para a emoção que deu luz a um filme que se estende para além do necessário, e conta com uma montagem que não sabe, exatamente, como organizar todas as suas ideias, de forma que não se tem exatamente uma linha narrativa ou temática que guie cada segmento.
A cada corte e início de nova entrevista, a temática abordada sempre envolverá a guerra, mas sob um prisma diferente. São muitas portas abertas ao mesmo tempo, indo e voltando constantemente, sem exatamente um eixo específico nos levando de uma para outra, senão a temática central.
Da mesma forma, em muitas entrevistas pouco é dito pelas pessoas entrevistadas, por falta de interesse em reviver os momentos difíceis, por pouco a pessoa se lembrar da época ou qualquer outro motivo. Mas Inadelso não só insiste que as pessoas falem, mas coloca isso em seu filme e, eventualmente, as induz ao caminho para o qual deseja seguir, quebrando com a naturalidade que pretende em seu documentário de depoimentos livres.
O mesmo, inclusive, é feito com sua avó, já acometida pelo mal de Alzheimer. Em diversas oportunidades o cineasta faz perguntas cujas respostas ela não se recorda, e a lembra dos fatos, por mais delicados e complicados que fossem, como a morte de seu avô durante a guerra, o qual pisou em uma mina terrestre.
Entre um depoimento e outro, As Noites Ainda Cheiram a Pólvora consegue falar um pouco sobre a Guerra Civil de Moçambique, os costumes da aldeia interiorana, e algumas histórias de sobrevivência, mas tudo muito esparso em meio a seus noventa minutos que não conseguem se organizar em segmentos que tornam seus relatos mais inteligíveis. Falta contexto e uma linha condutora que faça as ideias do diretor, que muitas vezes age com uma insensibilidade constrangedora, fazerem sentido dentro daquilo que se propõe, o qual, da forma como é, apenas soa confuso, desorganizado e eventualmente prolixo, como um livro que nunca consegue terminar seus assuntos.
Avaliação: 1.5/5
As Noites Ainda Cheiram a Pólvora (Idem, 2024)
Direção: Inadelso Cossa
Roteiro: Inadelso Cossa
Gênero: Documentário
Origem: Moçambique, França, Alemanha, Portugal
Duração: 92 minutos (1h32)
13º Festival Olhar de Cinema (Competitiva Internacional)
Sinopse: É noite em Moçambique. As marcas e cicatrizes da guerra civil ainda estão vivas. Borrando as linhas entre ficção e realidade, entre arquivos, relatos e encenação, Inadelso Cossa visita sua avó. Neste austero retrato de sua região natal, o cineasta confronta as memórias desbotadas de sua família e de seu país, investigando as fotografias, escutando as memórias e revirando o passado em busca de ouvir os fantasmas de outros tempos. (Fonte: Olhar de Cinema)
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